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7 de setembro de 2007

O vendedor de palavras

Ouviu dizer que o Brasil sofria de uma grave falta de palavras. Em um programa de TV, viu uma escritora lamentando que não se liam livros nesta terra, por isso as palavras estavam em falta na praça. O mal tinha até nome de batismo, como qualquer doença grande, "indigência lexical". Comerciante de tino que era, não perdeu tempo em ter uma idéia fantástica. Pegou dicionário, mesa e cartolina e saiu ao mercado cavar espaço entre os camelôs. Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua: uma mesa, o dicionário e a cartolina na qual se lia: "Histriônico - apenas R$ 0,50!".

Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de cinqüenta curiosos parasse e perguntasse.

- O que o senhor está vendendo?

- Palavras, meu senhor. A promoção do dia é histriônico a cinqüenta centavos como diz a placa.

- O senhor não pode vender palavras. Elas não são suas. Palavras são de todos.

- O senhor sabe o significado de histriônico?

- Não.

- Então o senhor não a tem. Não vendo algo que as pessoas já têm ou coisas de que elas não precisem.

- Mas eu posso pegar essa palavra de graça no dicionário.

- O senhor tem dicionário em casa?

- Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um.

O senhor estava indo à biblioteca?

- Não. Na verdade, eu estou a caminho do supermercado.

- Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar o feijão e a alface, pode muito bem levar para casa uma palavra por apenas cinqüenta centavos de real!

- Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar para depois esquecê-la?

- Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e terá de jogá-la fora e o feijão caruncha.

- O que pretende com isso? Vai ficar rico vendendo palavras?

- O senhor conhece Nélida Piñon?

- Não.

- É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o País sofre com a falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos por aqui.

- E por que o senhor não vende livros?

- Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado, portanto eu as vendo no varejo.

- E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras, não enchem barriga.

- A escritora também disse que cada palavra corresponde a um pensamento. Se temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia, trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos novos pensamentos cem por cento brasileiros. Isso sem contar os que furtam o meu produto. São como trombadinhas que saem correndo com os relógios do meu colega aqui do lado. Olhe aquela senhora com o carrinho de feira dobrando a esquina. Com aquela carinha de dona-de-casa ela nunca me enganou. Passou por aqui sorrateira. Olhou minha placa e deu um sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá, vai abri-lo e me roubar a carga. Suponho que para cada pessoa que se dispõe a comprar uma palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil pensamentos novos em um ano de trabalho.

- O senhor não acha muita pretensão? Pegar um...

- Jactância.

- Pegar um livro velho...

- Alfarrábio.

- O senhor me interrompe! Está me enrolando, não é?

- Tergiversando.

- Quanta lenga-lenga...

- Ambages.

- Ambages?

- Pode ser também evasivas.

- Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você!

- Pusilânime.

- O senhor é engraçadinho, não?

- Finalmente chegamos: histriônico!

- Adeus.

- Ei! Vai embora sem pagar?

- Tome seus cinqüenta centavos.

- São três reais e cinqüenta.

- Como é?

- Pelas minhas contas, são oito palavras novas que eu acabei de entregar para o senhor. Só histriônico estava na promoção, mas como o senhor se mostrou interessado, faço todas pelo mesmo preço.

- Mas oito palavras seriam quatro reais, certo?

- É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende?

- Tem troco para cinco?


* Fábio Reynol (1973), paulista da cidade de Campinas, é jornalista e escritor. Trabalha como assessor de imprensa, redator para Internet e
ghostwriter. Tem vários trabalhos, nenhum publicado, entre eles o livro-reportagem "A verdadeira história de Pedrinho Matador" escrito em
parceria com a jornalista Patrícia Capovilla.

4 comentários:

Pena disse...

Amiga doce e culta, Luciana:
Este vendedor de palavras faz pensar. A eterna Magia das palavras que respiram, sentem e amam.
É uma atitude nobre, preocupada, muito significativa e profunda esta sua escolha que vive no sentir de si.
Como o Mundo lindo necessita de palavras. Nem que sejam e, vivam na minha humildade, guardadas com carinho e, que se expressam, com o intuito de nunca ferir ou magoar ninguém.
Sabe, adorável Luciana, costumo seleccionar bem as palavras que direcciono e vivo, no apego à vida e, no apego honesto e sincero, às pessoas. Eles vivem em mim para, cuidadosamente, eu as referir sempre, num intuito optimista que provoque harmonia e bem-estar.
Não digo por dizer, as palavras, moram e sentem o que a minha Alma me comunica, na atitude franca e sincera que expresso.
Sabe, adorei! Adorei mesmo.
A sua escolha, como sempre, é perfeita!
Sempre a reconhecê-la com muito valor e admiração.
Um Beijo sentido especial
pena

Osc@r Luiz disse...

Quanto te devo pela lição, querida?
Beijo!

Anônimo disse...

Oi Luciana,

Ainda não vi tudo não, mas gostei do seu blog. Vim por indicação do nosso Super Oscar. Ele leu um post que republiquei hoje com o mesmo título "O Vendedor de Palavras". O tema é o mesmo. É interessante, pq é uma crônica que publiquei no jornal há mais de 10 anos. Se tiver um tempinho, me dê a honra da sua visita. Vou te linkar, pq gostei muito daqui.

abs

nil

Teatro Mototóti disse...

Olá, Luciana
estava eu pesquisando na net e dei de cara com tua postagem. Somos um grupo de Porto Alegre e fizemos uma montagem do Texto O VENDEDOR DE PALAVRAS do Fábio Reynol (ele esteve na estreia do espetáculo aqui em poa e adorou).
Gostariamos, se possivel, de termos um espaço para divulgação e tmb nos tornarmos amigos de profissão.

Abraços

Grupo Mototóti
www.grupomotototi.blogspot.com

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